Cidadãos em Luanda dizem-se “desiludidos” com a governação de João Lourenço, eleito (não nominalmente) há quatro anos, apontando a “degradação socioeconómica, o desemprego e altos preços dos produtos” como “grandes males”, enaltecem o combate à corrupção, mas pedem “resultados práticos”.
João Lourenço foi eleito como cabeça-de-lista do partido vencedor, o MPLA, em 23 de Agosto de 2017 como novo Presidente da República em substituição de José Eduardo dos Santos, que esteve no Poder durante 38 anos.
Populares em Luanda consideraram hoje crítica a situação do país, com o “escalar” do desemprego e dos preços dos produtos da cesta básica no centro das preocupações, reprovando as actuais políticas económicas e temendo pela vida devido aos actuais “apertos”.
“O país está muito mal, do jeito que está o país não está nada bem, o arroz está caro, não conseguimos comprar nada mesmo com 50.000 kwanzas (66 euros), a cesta básica está mal, está difícil a vida e não era como antes”, disse à Lusa Ana Domingos.
Esta vendedora ambulante considera que “independentemente de algumas situações negativas” o anterior Presidente “trabalhou para a estabilidade da cesta básica”, defendendo que as acções de João Lourenço devem visar também para a queda do preço dos produtos.
“Pode ser que ele [João Lourenço] esteja a tentar organizar as coisas, mas se ele apertar mais vamos morrer de fome”, refere.
Sukama Sarmento, 23 anos, estudante de gestão empresarial na Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto (UAN) fala em “situação crítica” do país, sobretudo na vertente económica, referindo que os cidadãos “estão desiludidos” com o Governo de João Lourenço.
“Diariamente vivemos mais e mais dificuldades e a governação de João Lourenço não traça, na minha óptica, estratégias que visam mitigar a situação e a pandemia, só ainda dificulta as coisas”, diz o estudante.
O incumprimento das promessas eleitorais, como a criação de 500 mil postos de emprego, a transformação da província de Benguela numa “Califórnia”, observa Sukama Sarmento, “desiludiu os cidadãos” cujo “sofrimento se agrava diariamente”.
Segundo o estudante universitário, que aplaude a recuperação de activos, no quadro do combate à corrupção, os bens arrestados pelo Estado “deveriam servir para melhorar a condição socioeconómica” do país, apontando a “alternância no poder como solução para Angola”.
“Neste momento, a maioria da população concorda que haja alternância política, isso mostra que já não há confiança no actual Governo, o que ele fez de melhor é o combate à corrupção, mas se este combate não traz melhoria para a classe mais baixa, então não seria assim um ganho”, atira.
O “elevado índice” do preço da cesta básica e as “más implementações das variáveis económicas” são para o estudante universitário Ricardo dos Anjos Ferreira situações que levaram os cidadãos angolanos à “desilusão diante das actuais políticas do Governo”.
A frequentar o curso de contabilidade e auditoria na Faculdade de Economia da UAN, o estudante, de 23 anos, considera que em quatro anos de eleição de João Lourenço, “não mudou muita coisa na vida dos cidadãos”, valorizando, no entanto, a diplomacia económica.
“Nesses quatro anos, acredito que há mais desilusão dos cidadãos, acredito que propriamente na vida do cidadão nesse período não se reflectiu muita coisa, quase não mudou nada, o preço da cesta básica subiu, as coisas ficaram mais caras”, lamenta.
Ricardo dos Anjos Ferreira refere também que a actual máquina governativa perdeu a confiança dos cidadãos, advertindo para a “não manipulação dos preços dos produtos da cesta básica” durante a campanha para as eleições de 2022.
“Acredito que há pouca confiança no partido que governa”, diz, referindo que acredita que João Lourenço é um Presidente “com boas iniciativas, mas o seu partido não facilita”.
“Temos de ser realistas e encarar com seriedade a questão económica do país, porque a fama de um Presidente parte pelo desempenho económico, e enquanto os problemas básicos não forem superados não há perspectivas de grandes resultados nas eleições”, considera o estudante.
As dificuldades vividas nos últimos quatro anos também foram retratadas por Isabel Dias dos Santos, vendedora de “kissangua” (bebida tradicional feita de milho), na zona comercial do São Paulo, em Luanda, que pede a “redução do preço da cesta básica”.
“O país está mesmo mal, é muita gente a sofrer, muita gente à procura do pão de cada dia e está mesmo mal, não tem como”, desabafa a vendedora, de 44 anos.
“Apesar das dificuldades”, a vendedora ambulante Ana Domingos aponta ainda o fim da “gasosa” (pequena corrupção) nos hospitais e repartições públicas como “factores positivos” na governação de João Lourenço.
De facto, a maioria dos autóctones angolanos vivem momentos difíceis. Mais do que sentirem um regresso ao passado, estão a ter saudades dele. Um sentimento alicerçado, talvez ingenuamente, na crença de ser possível uma ruptura com o passado, sem implosão ou revolução interna, no seio do partido de regime, que desde 1975 amarfanha e subverte o poder dos órgãos de soberania do Estado. Haveria maior credibilidade, interna e externa, se liderada por um dirigente completamente desligado da roubalheira, da corrupção, da batota eleitoral e da violação dos direitos humanos.
Isso, porque do outro extremo, a experiência nefasta de dezenas de anos de poder autoritário, exigir uma verdadeira ruptura (sem recurso a guerra militar), capaz de abanar os pilares da “partidocracia institucional” (órgãos do Estado, dominados, exclusivamente, pelo MPLA), para a instauração dos caboucos de uma democracia cidadã e participativa, se a oposição (UNITA, CASA-CE, PRS, FNLA) se despisse de vaidades, unindo-se numa grande coligação de mudança.
Não tendo sido assim, João Lourenço dita sem oposição as regras de jogo, num misto de show-off e medidas paliativas, que têm galvanizado mais a “tribo das redes sociais”. Mas o povão, o das periferias e da Angola profunda, por exclusão das estatísticas selectivas e na repartição da renda, não acredita na transfiguração do camaleão.
E porquê?
Porque a vida real, a vida que pulsa, a vida dos povos que gemem, continuar madrasta no quesito fome e esperança, fundamentalmente quando a fuba, o feijão, o peixe, o óleo, a galinha, o arroz, o tomate, a cebola, o lombi, qual cesta básica, não param de subir, logo fugindo da mesa dos mais de 20 milhões de pobres.
Se João Lourenço conseguiu, reconheça-se, anestesiar a oposição, com base em discursos e slogans inovadores, colhendo deles a omissão e o silêncio, dos demais cidadãos, as medidas paliativas, como exonerações sem consequências disciplinares e criminais, demonstram uma cumplicidade espúria, incapaz de baixar, não só, o custo de vida, como o desemprego.
Nos quatro anos de nova presidência, depois do impacto inicial, João Lourenço e o MPLA, estão cada vez mais com a imagem ofuscada, por não terem implantado uma só das promessas eleitorais com impacto na vida das populações.
Tanto as exonerações, como as nomeações “lourencianas”, apenas beneficiaram os membros do regime do MPLA, com a crónica dança de cadeiras, que machuca a competência e privilegia a “bajulação – militante”.
Esperava-se uma ousadia em busca da tão ansiada cumplicidade política, entre o (novo) Presidente da República e a oposição, na busca de consensos para os grandes problemas que afligem o país (que até o podem matar), mergulhado numa crise, provocada pela (des)governação dolosa do partido no poder, mas ao invés disso, o novo inquilino prefere continuar em sentido contrário.
A estratégia para um novo programa de Educação, a criação de um revolucionário sistema de Saúde, a Reforma agrária, com base no fomento da agricultura familiar, merecem outras visões angolanas e não a manutenção do crónico egoísmo umbilical, reconhecidamente incapaz de fazer qualquer semente germinar.
Se João Lourenço fosse pragmático faria diferente, ouvindo os parceiros políticos e sociais, assumindo propostas de quadros excluídos e discriminados por não serem do MPLA, em nome da mudança. Passaria, ainda, num gesto nobre e de comprometimento com a verdade e transparência a convidar a imprensa privada, na cobertura das actividades do Executivo, entre outras.
O relançamento da economia, mais do que visões ideológicas, carece de uma verdadeira mexida programática e pragmática, capaz de estimular os pequenos e médios empreendedores, como, por exemplo, a revogação do Decreto 13/10, que limita a importação de viaturas com mais de três anos, por ser um travão à diversificação da economia, principalmente, no domínio agro-pecuário.
Um agricultor não tem, em 10 anos, capacidade para adquirir uma carrinha nova, mas já a terá caso seja em segunda mão e, desta forma, relançar a actividade, no campo e na indústria, com uma simples revogação de um decreto, com um profundo impacto popular.
Até este momento, o Presidente ainda não tomou nenhuma medida popular, nenhuma medida legal de verdadeiro impacto, na vida dos cidadãos.
Folha 8 com Lusa